19 de abril de 2012

O homem que plantava árvores


Há cerca de uns quarenta anos, fiz uma longa caminhada a pé por altitudes absolutamente desconhecidas dos turistas, nessa muito antiga região dos Alpes que penetra na Provença. Esta região está delimitada a sudoeste e a sul pelo curso médio do Durance, entre Sisteron e Mirabeau; a norte pelo curso superior do Drôme, desde a sua nascente até ao rio Die; a oeste pelas planícies de Comtat Venaissin e os contrafortes de Mont-Ventoux. Compreende toda a parte norte da região dos Baixos Alpes, o sul da Drôme e um pequeno enclave de Vaucluse. Era, na altura em que empreendi o meu longo passeio por estes desertos, terreno nu e monótono até aos 1200 a 1300 metros de altitude. Nada lá crescia a não ser alfazemas selvagens. Atravessei esta região na sua maior largura e depois de três dias de marcha, encontrei-me face a uma desolação exemplar. Acampei ao lado de um esqueleto de aldeia abandonada. Já não tinha mais água e eu precisava de encontrar alguma. Estas casas aglomeradas, em ruínas como um velho ninho de vespas, fizeram-me pensar que deveria ter havido ali, em tempos, uma fonte ou poço. E sim, havia uma fonte, mas seca. As cinco ou seis casas, sem telhado, roídas de vento e de chuva e a pequena capela com o sino em colapso, estavam alinhadas como as casas e capelas nas aldeias vivas, mas toda a vida tinha desaparecido. Era um belo dia de Junho, muito solarengo, mas sobre estas terras sem abrigo e a tocar o céu, o vento soprava com uma brutalidade insuportável. Os seus grunhidos nas carcaças das casas eram os de uma fera perturbada durante a sua refeição. Tive que levantar o acampamento. A cinco horas de marcha ainda não tinha encontrado água e nada me dava a esperança de a encontrar. Por todo lado a mesma secura, as mesmas ervas lenhosas. Ao longe apercebi-me de uma pequena silhueta negra, de pé. Tomei-a por um tronco de árvore solitário. Um pouco ao acaso dirigi-me para ela. Era um pastor. Uma trintena de ovelhas, deitadas sobre a terra escaldante, repousavam perto dele. Deu-me de beber do seu cantil, e um pouco mais tarde conduziu-me ao redil, numa ondulação do planalto. Retirava a sua água - excelente - de uma nascente natural, muito profunda, sobre a qual tinha instalado um guincho rudimentar. Este homem falava pouco. É comum, entre os solitários, mas era seguro de si e confiante nessa segurança. Era insólito, nesta terra despojada de tudo. Não habitava uma cabana, mas uma verdadeira casa de pedra onde se podia ver como o seu esforço pessoal tinha remendado a ruína que tinha encontrado à sua chegada. O telhado era sólido e estanque. O vento que o fustigava fazia sobre as telhas o ruído do mar na praia. A sua casa estava em ordem, a louça lavada, o soalho varrido, o fuzil oleado; a sopa borbulhava na lareira. Reparei também que estava bem barbeado, que todos os seus botões estavam solidamente cosidos, que as suas roupas estavam remendadas com o cuidado minucioso que torna os remendos invisíveis. Fez-me partilhar a sua sopa e quando lhe ofereci tabaco, disse-me que não fumava. O seu cão, silencioso como ele, era amigável, sem ser bajulador. Decidiu-se que eu passaria lá a noite; a aldeia mais próxima ainda estava a mais de um dia e meio de marcha. E eu conhecia perfeitamente o caráter das raras aldeias desta região. Há umas quatro ou cinco, dispersas, longe umas das outras, sobre os flancos destas alturas, nos bosques de carvalhos brancos, nas extremidades dos caminhos transitáveis. São habitadas por madeireiros, que fazem carvão. São lugares onde se vive mal. As famílias lutam umas contras as outras, num clima que é de uma rudeza excessiva, seja no Verão ou no Inverno, e que exacerba o egoísmo. A ambição irracional torna-se desmesurada, num desejo contínuo de sair dali. Os homens levam o carvão à cidade com os seus camiões e depois voltam. As mais sólidas qualidades vergam sob este perpétuo duche escocês. As mulheres destilam ressentimentos. Há concorrência para tudo, seja pela venda do carvão, ou pelo banco da igreja, pelas virtudes que disputam entre elas, pelos vícios que disputam entre eles e pela livre circulação de vícios e virtudes, sem descanso. Também lá o vento não repousa, irritando os nervos. Há epidemias de suicídios e numerosos casos de loucura, quase sempre mortais. O pastor que não fumava foi procurar um pequeno saco e espalhou na mesa um monte de bolotas. Pôs-se a examiná-las, uma após outra, com muita atenção, separando as boas das más. Eu fumava o meu cachimbo. Propus-me ajudá-lo. Ele disse-me que a tarefa era sua. De facto: vendo o cuidado que punha nesta tarefa, não insisti. Foi toda a nossa conversa. Quando ele tinha separado, para o lado das boas, um monte de bolotas bastante grande, juntou-as em montes de dez. E fazendo isto eliminou ainda as mais pequenas, ou as que estavam fendidas ligeiramente, pois agora examinava-as ainda com mais atenção. Quando tinha à frente dele um cento de glandes perfeitas, parou e fomos deitar-nos. A convivência com este homem dava paz. Pedi-lhe, no dia seguinte, permissão para descansar todo o dia junto dele. Ele achou isso natural, ou mais exatamente, deu-me a impressão de que nada o perturbaria. Este repouso não era absolutamente obrigatório, mas eu estava intrigado e queria saber mais. Fez sair o seu rebanho e levou-o à pastagem. Antes de partir, mergulhou num balde de água o pequeno saco onde tinha colocado as bolotas cuidadosamente escolhidas e contadas. Reparei que em jeito de bastão, ele transportava uma barra de ferro da espessura de um polegar e com cerca de metro e meio de comprimento. Fiz como se vagueasse em repouso e segui uma rota paralela à sua. A pastagem dos seus animais era no fundo de um vale. Deixou o pequeno rebanho à guarda do cão e subiu para o lugar onde eu estava. Tive algum receio que viesse para me repreender da minha indiscrição, mas não: era o seu caminho e convidou-me a acompanhá-lo se não tivesse melhor que fazer. Ia a duzentos metros dali, para o cume. Chegados ao seu destino, pôs-se a furar a terra com o seu bastão de ferro. Fazia um buraco no qual colocava uma glande, depois cobria-o. Plantava carvalhos. Perguntei-lhe se a terra lhe pertencia. Respondeu-me que não. Sabia de quem era? Ele não sabia. Supunha que seria terra baldia, ou talvez fosse propriedade de alguém que não se importasse? Ele não se importava de não conhecer os proprietários. E plantou assim um cento de bolotas com um cuidado extremo. Depois da refeição do meio-dia, recomeçou a escolher as sementes. Acho que coloquei tanta insistência nas minhas perguntas que ele respondeu. Desde há três anos que plantava árvores nesta solidão. Já tinha plantado cem mil. Dessas, vinte mil tinham vingado. Das vinte mil contava perder metade, devido aos roedores ou a tudo quanto seja impossível de prever nos desígnios da providência. Sobrariam dez mil carvalhos que iriam crescer nesta região onde antes nada existia. Foi nesta altura que me perguntei sobre a idade deste homem. Tinha visivelmente mais de cinquenta anos. Cinquenta e cinco, disse-me ele. Chamava-se Elzéard Bouffier. Tinha possuído uma quinta na planície. Tinha feito a sua vida. Perdeu o filho único, depois a esposa. Retirou-se para a solidão onde tirava prazer de viver lentamente, com as suas ovelhas e o seu cão. Ele tinha concluído que esta região morria por falta de árvores. Acrescentou que como não tinha tarefas muito importantes, tinha resolvido remediar este estado de coisas. Levando eu próprio nessa altura, apesar da minha jovem idade, uma vida solitária, sabia tocar com delicadeza as almas dos solitários. No entanto cometi um erro. Precisamente a minha jovem idade me forçava a imaginar o futuro em função de mim próprio e de uma certa busca de felicidade. Disse-lhe que em trinta anos esses dez mil carvalhos seriam magníficos. Respondeu-me simplesmente que, se Deus lhe permitisse viver, dentro de trinta anos já teria plantado tantas outras que estas dez mil não seriam mais do que uma gota de água no oceano. Ele já estudava a reprodução das faias e tinha perto de sua casa um viveiro. As plantinhas, que tinha protegido das suas ovelhas por uma barreira de rede, eram belíssimas. Disse-me que também estava a pensar em bétulas para as zonas mais profundas, onde me disse que uma certa umidade dormia a alguns metros abaixo da superfície. Separámo-nos no dia seguinte. No ano seguinte começou a guerra de 14 e fui engajado durante cinco anos. Um soldado de infantaria não podia pensar em árvores. Para dizer a verdade, a coisa em si não me tinha marcado profundamente: tinha-a considerado como uma diversão, uma coleção de selos, e esqueci-a. Saído da guerra tive direito a um prêmio de desmobilização minúsculo, e um grande desejo de respirar um pouco de ar puro. Foi sem outra ideia pré-concebida - excepto esta - que retomei o caminho destas regiões desertas. A região não tinha mudado. No entanto, para além da aldeia morta, percebi ao longe uma espécie de névoa cinzenta que recobria as alturas como um tapete. Desde a véspera, tinha-me posto a pensar no pastor que plantava árvores. « Dez mil carvalhos, dizia eu, devem ocupar um espaço muito grande. ». Tinha visto morrer tanta gente durante os cinco anos que podia imaginar facilmente a morte de Elzéar Bouffier, até porque, quando temos vinte anos, consideramos que os homens de cinquenta são velhos a quem já nada resta senão morrer. Ele não estava morto. Estava ainda muito ágil. E tinha mudado de profissão. Já só tinha quatro ovelhas, mas possuía agora uma centena de colmeias. Tinha-se desembaraçado do rebanho que punha em perigo as suas plantações de árvores. Porque, disse ele (e eu verifiquei) que não se tinha preocupado muito com a guerra. Tinha continuado imperturbavelmente a plantar. Os carvalhos de 1910 tinham agora dez anos e estavam mais altos que eu e ele. O espetáculo era impressionante. Eu estava literalmente privado de palavras e como ele não falava, passamos todo o dia em silêncio a passear na floresta. Ela tinha, em três secções, onze quilômetros de comprimento e três quilômetros na maior largura. Se tudo tinha saído das mãos deste homem - sem meios técnicos - compreende-se que os homens possam ser tão eficazes quanto Deus em domínios que não a destruição. Tinha perseguido a sua ideia e as faias que me chegavam aos ombros, a perder de vista eram prova disso. Os carvalhos eram grossos e já tinham ultrapassado a idade em que estavam à mercê dos roedores; quanto aos desígnios da Providência, para destruir a obra criada ela precisaria agora de recorrer aos ciclones. Mostrou-me admiráveis bosques de vidoeiros que tinham já cinco anos, eram de 1915, da época em que eu combatia em Verdun. Plantou-as em todas as zonas mais fundas onde supunha, com razão, que havia umidade à flor da terra. Eram tenras como jovens, e muito decididas. A criação parecia, aliás, operar em cadeia. Ele não se importava com isso e prosseguia obstinadamente a sua tarefa, muito simplesmente. Mas a descer para a aldeia, vi correr água nos regatos que estavam secos desde que havia memória. Foi a mais formidável operação de reação que me foi dado ver. Estes riachos tinham tido água em tempos antigos. Algumas destas aldeias tristes de que vos falei no início foram construídas sobre antigas aldeias galo-romanas de que subsistiam ainda alguns traços, nas quais os arqueólogos tinham encontrado anzóis em lugares onde no século vinte seria necessário o recurso a cisternas para ter um pouco de água. O vento também dispersava algumas sementes. Ao mesmo tempo que a água reaparecia, reapareciam os salgueiros, os choupos, os prados, os jardins e as flores e uma certa razão de viver. Mas a transformação operava-se tão lentamente que entrava no hábito, sem provocar espanto. Os caçadores, que subiam à solidão, à procura de lebres ou javalis, já tinham constatado a abundância de pequenas árvores, mas atribuíam isso à magia natural da terra. É por isso que ninguém havia tocado no trabalho deste homem. Se houvesse alguma suspeita, tê-lo-iam contrariado. Era inimaginável. Quem poderia pensar, nessas aldeias e na administração, uma tal obstinação na generosidade mais magnífica? A partir de 1920, nunca mais passei um ano sem visitar Elzéard Bouffier. Nunca o vi hesitar ou duvidar. Só Deus saberá, pois o próprio Deus ali cresce! Não contabilizei os seus problemas. Podemos imaginar que para este resultado teve que vencer a adversidade; que para assegurar a vitória de uma tal paixão, teve que lutar contra o desespero. Ele tinha, durante um ano, plantado dez mil bordos. Morreram todos. No ano seguinte, abandonou os bordos para retomar as faias, que se desenvolviam melhor que os carvalhos. Para dar uma ideia da singularidade desta pessoa, é preciso não esquecer que ele trabalhava numa solidão absoluta; tão absoluta que para o final da sua vida tinha perdido o hábito de falar. Ou talvez não visse nisso qualquer necessidade? Em 1933, recebeu a visita de um guarda-florestal atônito. Este funcionário intimou-o a não fazer fogo fora de casa, para não colocar em perigo o crescimento desta floresta natural. Era a primeira vez, disse-lhe este homem ingênuo, que se via uma floresta nascer sozinha. Nesta altura ele ia plantar faias a 12 kilómetros de sua casa. Para evitar o trajeto de ida e volta - pois agora ele já tinha setenta e cinco anos - pensou construir uma cabana de pedra nos locais das suas plantações. Um ano mais tarde tinha-o feito. Em 1935, uma verdadeira delegação administrativa veio examinar a «floresta natural». Havia uma alta figura dos serviços de Águas e Florestas, um deputado, vários técnicos. Pronunciaram-se muitas palavras inúteis. Decidiu-se que se iria fazer qualquer coisa e, felizmente, não se fez nada senão a única coisa útil: pôr a floresta sob salvaguarda do Estado e interditar que se fizesse carvão. Porque era impossível não ser subjugado pela beleza destas jovens árvores em pleno crescimento. E até no deputado ela exerceu o seu poder de sedução. Eu tinha um amigo entre os representantes dos serviços florestais que foram na delegação. Expliquei-lhe o mistério. Um dia, na semana seguinte, fomos ambos à procura de Elzéard Bouffier. Encontramo-lo em pleno trabalho, a vinte kilómetros de onde a inspeção tinha estado. Este guarda-florestal era meu amigo por alguma razão. Conhecia o valor das coisas. Soube permanecer silencioso. Ofereci os ovos que tinha levado de presente. Partilhamos o lanche entre os três e algumas horas passaram na contemplação muda da paisagem. A encosta de onde vínhamos estava coberta de árvores com seis a sete metros de altura. Lembrei-me do aspecto do campo em 1913: o deserto... o trabalho pacífico e continuado, o ar vivo da altitude, a frugalidade e sobretudo a serenidade da alma, tinham dado a este velho uma santidade quase solene. Era um atleta de Deus. Perguntei-me quantos hectares ele iria cobrir ainda de árvores. Antes de partir, o meu amigo fez simplesmente uma breve sugestão acerca de certas espécies às quais o terreno onde estávamos parecia convir. Mas não insistiu. «Por uma boa razão, disse-me ele mais tarde, pois este homem sabe mais do que eu.» Ao fim de uma hora de marcha - a ideia tinha feito o caminho com ele - acrescentou: «Ele sabe mais que qualquer pessoa. Encontrou um meio de ser feliz!» Foi graças a este meu amigo que não só a floresta, mas a felicidade deste homem foram protegidas. Fez nomear três guardas florestais para sua proteção e aterrorizou-os de tal modo que eles foram sempre insensíveis a todas as garrafas de vinho que os madeireiros pudessem propor. A obra só correu um risco grave durante a guerra de 1939. Os automóveis circulavam a gasogênio, e não havia matas que chegassem - Começaram a fazer-se cortes nos carvalhos de 1910, mas esta zona era tão longe das estradas circuláveis que a empresa se revelou um desastre financeiro. Foi abandonada. O pastor já nada viu. Estava a trinta quilômetros dali, continuando pacificamente o seu trabalho, ignorando a guerra de 39 como tinha ignorado a de 14. Vi Elzéard Bouffier pela última vez em Junho de 1945. Tinha na altura oitenta e sete anos. Tomei de novo a estrada do deserto, mas agora, apesar da devastação em que a guerra tinha deixado o país, havia um carro que fazia o serviço entre o vale do Durance e a montanha. Achei que tinha sido este meio de transporte relativamente rápido que me tinha impedido de reconhecer os locais dos meus antigos passeios. Também me pareceu que o itinerário tinha passado por locais novos. Precisei de um nome de uma aldeia para concluir que estava mesmo nesta região outrora tão arruinada e desolada. O carro deixou-me em Vergons. Em 1913, este casal de dez ou doze habitações tinha três habitantes. Eram selvagens, detestavam-se, viviam da caça com armadilhas: um pouco no estado físico e moral dos homens da pré-história. As urtigas cresciam em volta das casas abandonadas. A sua condição era de desespero. Só lhes faltava esperar a morte: situação que não dispõe à virtude. Tudo estava mudado. O próprio ar. Em lugar do vento seco e brutal que me tinha acolhido nesse tempo, soprava uma brisa suave carregada de aromas. Um ruído semelhante ao da água descia das alturas: era o do vento na floresta. Enfim, a coisa mais espantosa, foi ouvir o verdadeiro barulho da água correndo para uma bacia. Tinham feito uma fonte, e ela era abundante e, aquilo que mais me tocou, tinham plantado ao pé dela uma tília que devia ter quatro anos, já crescida, símbolo incontestável de uma ressurreição. Além disso, Vergons tinha os traços de trabalho para o qual era necessário esperança. A esperança tinha renascido. Tinham-se limpo as ruínas, deitado abaixo os muros quebrados e reconstruído cinco casas. O casal contava agora com vinte e oito habitantes, e quatro novas famílias. As casas novas, rebocadas de fresco, eram rodeadas de hortas e jardins, misturados mas alinhados, os legumes e as flores, as couves e as roseiras, as pereiras e as bocas-de-lobo, a salsa e as anémonas. Era um lugar onde apetecia morar. A partir daí, fiz o meu caminho a pé. A guerra de que saíramos com dificuldade não tinha permitido o completo desenvolvimento da vida, mas Lázaro tinha saído do túmulo. Sobre os flancos mais baixos da montanha havia campos de cevada e centeio; ao fundo dos vales estreitos verdejavam prados. Não foram precisos mais de oito anos para que toda a região resplandecesse de saúde. Sobre as ruínas que eu tinha visto em 1913, elevam-se agora limpas fazendas, que denotam uma vida feliz e confortável. As velhas nascentes, alimentadas pela chuva e pela neve que a floresta retinha, puseram-se de novo a correr. Canalizaram-se as águas. Ao lado de cada quinta, nos bosques de bordos, as bacias das fontes transbordam para tapetes de menta fresca. As aldeias foram reconstruídas pouco a pouco. Uma população vinda das planícies onde a terra se vende cara, fixou-se na região e trouxe juventude, movimento, espírito de aventura. Pelos caminhos, encontram-se homens e mulheres bem nutridos, rapazes e raparigas que sabem rir e retomou-se o gosto das festas camponesas. Se olharmos para a antiga população, irreconhecível desde que vive em abundância e somarmos os recém-chegados, mais de dez mil pessoas devem a sua felicidade a Elzéard Bouffier. Quando penso que um só homem, reduzido aos mais simples recursos físicos e morais passou, para fazer surgir do deserto esta região de Canaã, acho que apesar de tudo, a condição humana é admirável. Mas quando eu levo em conta toda a magnanimidade da dedicação abnegada, toda a generosidade para obter tal resultado, sou tomado por um imenso respeito por este velho camponês sem cultura que soube levar a cabo esta obra digna de Deus.

Elzéard Bouffier faleceu pacificamente em 1947 no hospício de Banon.


Título: "L'Homme qui plantait dês arbres"
Autor: Jean Giono
Tradução: Alice Sarabando